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Life With Júlia

por Susana C. Fernandes

Life With Júlia

por Susana C. Fernandes

Um cão a ladrar metáforas

Ontem à noite, o cão de um vizinho ladrou, incessantemente, durante três horas. Eu lia e ele ladrava, e eu lia a mesma frase outra vez, porque ele ladrava. Ficámos neste embalar ao contrário, quando a esperança se mistura com o desespero, e já não sabemos se somos feitos de coragem ou medo. Não sei quando se calou, tinha-me habituado ao latir compassado e resiliente, e foi só depois de um momento prolongado de silêncio que dei pela ausência de ruído.

Fechei o livro. Olhei o relógio. Duas da manhã e uma sensação de déjà-vu. O cão era a minha ansiedade. O ladrar insistente eram as dores, as dormências, as palpitações. A certeza de que nunca vai passar, e o momento efémero em que me apercebo que, há algum tempo, que passou, só para voltar novamente.

A minha ansiedade é um cão sozinho a meio da noite. Quer atenção. A minha atenção. E eu leio as mesmas frases do mesmo livro, repetidas e gastas, como o mal estar que me percorre o corpo. Aceito. Não porque não me ache capaz, mas porque coabitamos o mesmo espaço há tempo suficiente para saber que resistir-lhe, é prolongar um sofrimento que não falha, mas pode ser menor. 

A minha avó sempre me disse, os cães ladram e a caravana passa.

Há um funeral na minha cabeça e não sei o que vestir

Há um funeral na minha cabeça. Constante e repetido, como o soar dos sinos a cada hora de cada dia.

É como um velório em dia de chuva, quando a água não vem para lavar almas, mas para derrocar os poucos que permanecem de pé. Já foram a um velório à chuva? É como se o dia se vestisse a rigor, e as nuvens pesassem mais que todos os corações carregados daquela dor, que só é comparável à dos que acompanham o enterro seguinte.

Há um funeral na minha cabeça, e não sei o que vestir. 

Quero vestir-me de amarelo e levar sandálias, mesmo com o tempo nublado. Mesmo que o cheiro a terra molhada se me entranhe os pés e a vida. Não quero guarda-chuva, nem agasalho. Também não quero chorar, se não sei quem choro.

Não há mortos, missas de corpo presente ou de sétimo dia. Mas há um funeral na minha cabeça. Como um ritual inventado para me fazer duvidar, definhar. 

Não há-de tardar.

Hei-de pegar no vestido e nas sandálias, e fazer do funeral uma festa.

 

 

A minha mente chamou-me

IMG_2429 3.jpg

Chega aqui. Senta-te um bocadinho, que pareces cansada. Essa tua mania de te preocupares com cada minuto que não controlas, com cada passo que não dás com os teus pés, vai-te matar. Sabes disso, não sabes? Bem sei, bem sei. Sou eu que te conto coisas aos ouvidos. Que te digo que vai correr mal, e que as pessoas não gostam de ti. Mas, e então? Quem é que te fez tão insegura?

Deixa-te estar. Não vás já. Bebe um copo de água, e relaxa esses ombros. Sempre encolhidos, tolhidos, como se alguém te fosse atacar. Como se te tivesses de defender de alguma coisa. Irrita-me, que não saibas ter calma. Se te enervo? Enervo. Exijo-te alerta máximo a cada momento da tua existência, porque, minha menina, a vida não é fácil. Mas, e depois? Tens de ser assim tão fraca?

Não chores. Toma lá um lenço, vá. Não podes estar sempre a derramar lágrimas como se isto fosse uma tragédia. Certo. Não te deixo dormir, e quando me distraio e adormeces, invento pesadelos para acordares aflita. Pensas que és a única a ter pesadelos? Não és. Mas as pessoas acordam e vão à sua vida. Não é o fim do mundo.

Já vais? Pronto. Deixo-te ir. Não quero que digas que te prendo ou massacro. O que te digo é para o teu bem. Vai lá, que já te encontro. Vou estar no mesmo sítio, a contar-te as mentiras do costume.

 

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