A alma também dói
Chamam-lhe cão negro, mas eu tenho um e gosto muito dele. Em boa verdade, este morde, rasga a pele. O meu só me rosna quando não está satisfeito, mas não somos todos um bocadinho assim? Se tivesse de dar-lhe um nome, chamava-lhe dor de alma. Porque a alma não tem forma, e esta dor também não.
"O que é que sentes?"
Nada. Um nada que desagua num mar salgado de lágrimas, que é a forma que a alma tem de sangrar. E não há compressas nem pensos rápidos que estanquem olhos que nos derramam. De dentro para fora. Como se fôssemos um copo, e transbordar fosse a única forma de não partirmos.
Então estalamos. Lascamos, aqui e ali. Vamos ensaiando sorrisos como paliativos, mais para os outros do que para nós.
"O que é que sentes?"
Tudo. Como se todas as dores do mundo fizessem morada em nós. E queremos fugir, e dizer que não moramos aqui. Fazer as malas e metermo-nos ao caminho. "Volte mais tarde que agora não está ninguém". Mas está. Estamos. Nunca ninguém conseguiu fugir de si.
Então ficamos. Doemos. Gritamos com o rosto contra a almofada, porque são dores que não têm escala, nome, entendimento. Doem, apenas.
Se tivesse de dar-lhe um nome, chamava-lhe dor de alma. É que quando a alma dói, não há nada que não nos doa.