A janela que guardava o mundo inteiro
Para lá da porta da cozinha da casa da minha avó, havia aquilo a que se chamaria de anexo. Nós chamávamos-lhe barraca. Sempre fomos assim, despojados de realeza que fosse além da terrina antiga, em cima da mesa da sala, onde se guardavam as pastilhas elásticas.
À saída, aos pés do degrau, havia uma espécie de tapete alto em ferro, que me fazia sentir grande, como os grandes. E tropeçar.
"Vai devagar que cais."
E às vezes caía, mas nunca ia devagar.
Os alguidares de roupa no tanque cinzento, e os sapatos lavados com Sonasol, na altura em que Sonasol era tudo o que havia e nada cheirava assim. O avô a fazer copos das garrafas de Sumol. O Sol a queimar o chão que me escaldava os pés, enquanto saltitava para aliviar o ardor.
"Calça-te."
E eu fingia que não era comigo. Não ia agora sujar os sapatos.
Ao fundo, quase encostada ao tecto, por cima de uma mesa larga de madeira, havia uma janela velha. Lavada com o tempo. O fecho lasso, a pedir-me que o libertasse.
"Avó, para onde dá aquela janela?"
"Para onde quiseres."
Dava para a parede da vizinha. Nem sequer era uma parede bonita, rebocada, pintada. Era tijolo e cimento. Sem preceito. Como se soubessem que nunca ninguém duvidaria, a ponto de querer confirmar, que além daquela janela, o mundo era o que nós imaginássemos ser.