Entre um sofá e um cadeirão, matam-se saudades com um copo de vinho
Está fresco, imagino. O Sol já se pôs, mas deixou para trás um filtro de luz que me deixa ver cada canto de cada canteiro. As flores envergonham-se, sem cor nem aroma, e o estendal vazio, corta ao meio aquele espaço que conheço inteiro.
A porta abre-se, e espreitas. Vestes as calças de fazenda cinzentas, demasiado vincadas, perfeitas. Tens o cabelo cortado e a pele menos enrugada, o andar mais recto, mais teu. Não falas, e isso aflige-me. Não te consigo falar, e isso aflige-me mais. Pousas o teu olhar em mim e percebo que devo entrar.
A sala tem mais luz, mas nunca muita. A mesa está posta e há o ruído de uma família grande num espaço pequeno, mas é como se os meus ouvidos estivessem tapados por um oceano. Passam-me pratos e garrafas de vinho pelos olhos. Sei que está frio, mas não o sinto. Não me cheira a nada, mas serves-te do tacho grande. Suponho que seja um dia solene, porque abriram a mesa, e há mais cadeiras do que aquelas que temos.
Estou apertada a um canto, entre o sofá grande e o cadeirão. Parece Natal, mas não vejo árvore nem presentes. Tudo são vultos e sons indistintos. Menos tu. Pegas no copo de vinho e fazes-me sinal, como quem brinda ao infinito.
Acordo na dúvida se devo acender a luz, mas o Sol decide isso por mim. Fecho os olhos e brindo de volta. Há tanto tempo que não te via.