Eu vou por ali
"Se a morte vier por aqui, eu vou por ali. Mas sei que, um dia, vamos ter de nos encontrar."
Sempre que o meu avô dizia isto, eu imaginava uma encruzilhada. Ele e uma figura preta, de foice na mão, ficavam frente a frente, como que a ponderar um cumprimento. Depois um ia pela esquerda, outro pela direita. Fosse, como fosse, ele chegava sempre a casa, e eu achava que aquele era um cumprimento que nunca se iria fazer.
Não sei em que altura me apercebi da efemeridade da vida. Morriam pessoas à minha volta, mas nunca nada morria em mim. Era gente de outras gentes, choros que não me molhavam o colo. Um dia tive medo. Então, mas é assim? Vive-se uma vida, ama-se alguém para sempre, e depois ela vai-se embora?
O meu avô foi a primeira pessoa que perdi, e fez todo o sentido. Ensinou-me tanta coisa durante a vida, porque pararia depois da morte?
Cada vez que o peito aperta e é difícil viver, penso nele e na encruzilhada, e escolho a vida.
Hoje, como sempre, vou por ali.