Fiz favas com metáforas
Cada vez que o almoço eram favas guisadas, a minha avó fazia-me ovos estrelados com salsichas, e o meu avô fazia-me a mesma pergunta de sempre.
"Já provaste? Como é que sabes que não gostas se ainda não provaste?"
Depois, contava-me o seu historial com as favas.
"Quando era miúdo fugia delas. Agora gosto. A idade muda muita coisa. Aprende-se a gostar, e gostamos de maneira diferente."
A minha história com as favas era outra. As sacas que o meu avô trazia do campo para descascarmos, eram o meu Natal em abril. A minha avó dava-me meia dúzia de vagens, um alguidar e o meu banquinho de madeira. Depois sentava-se num banco de cozinha, a fazer pontaria ao alguidar, e a conversar com o meu avô sobre coisas que não me interessavam. Às vezes vinha o filho da vizinha ajudar, e, nessa altura, começava o despique, para ver quem ia primeiro à fava.
Hoje, quando o almoço são favas, já não as troco por ovos estrelados com salsichas. Juro que vejo o meu avô à mesa, pano da loiça entalado no colarinho, copo de vinho na mão, e aquele sorriso de quem bem me avisou.
"A idade muda muita coisa. Aprende-se a gostar, e gostamos de maneira diferente."
Nas favas e na vida.