O dia em que a empatia casou
Quando a filha da vizinha se casou, foi um acontecimento. O bairro estava habituado a flores e dores, mas os laços nos carros, os folhos e as gravatas, nunca tinham sido para ali chamados.
Eu queria um vestido laranja, sem cerimónias. Então, a minha mãe comprou-me um vestido branco, com mais rendas que as colchas das minhas tias. Saia rodada, e mangas em balão. Parecia os caramelos que o meu pai me trazia de Espanha, mas pior.
"Não faças essa cara. Isso é bordado inglês, depois dá para levares para a escola."
Ia rir-me, mas vi que ela estava a falar a sério, e deixei de achar graça.
Quando fomos, à tarde, comprar os fatos dos meus avós, íamos dois. Eu e o meu burro amarrado, ainda à conta da toilette. O meu avô comprou um fato castanho, que havia de usar pelo resto da vida, a cada cerimónia que o justificasse. A minha avó comprou um fato saia e casaco azulão. Não havia ninguém para obrigá-la a vestir um abajur.
Na sapataria, a mesma que me condenou a umas sandálias e meias brancas, a minha avó comprou umas sandálias azuis, de salto alto. Invejei-lhe a sorte, e passadas as festividades, passei a andar com elas por casa.
O barulho do salto nos mosaicos brancos, faziam sentir-me importante. Alta, ainda que desengonçada. Se fosse a minha avó nunca as tirava.
"Ó 'vó, porque é que nunca usas estas sandálias? São tão lindas."
"Ferem-me os pés."
Acho que foi a primeira vez que percebi, que nos sapatos dos outros, por mais bonitos que sejam, só eles sabem o quanto custa andar.