Os meus avós são um banquinho de madeira
Adorava comer. E comia como os adultos, entre os adultos. O meu avô fez-me um banquinho de madeira que colocava em cima de um cadeirão. O mesmo que lhe deu amparo nos últimos anos de vida. Eu esticava os braços e ele pegava-me ao colo. Eu achava que ele devia ser muito forte para me fazer voar, desde o chão, até aterrar no banquinho.
A minha avó pousava-me o prato à frente. Carne cortada como se fossem dados de brincar, massinhas e cenouras, para os olhos ficarem bonitos. Confiava-me o garfo e a tarefa. Sabia que não era preciso mandar-me comer tudo.
Um dia, levou-me de autocarro até à vila.
"Vamos ao Doutor e depois compramos uma revista."
Não me pareceu mau negócio.
"A menina está gorda. Não a podem deixar comer da maneira que quer. A menina está gorda. Tem de fazer dieta. A menina está mesmo, mesmo gorda. Não quer ser feia, pois não?"
E eu não queria, mas já me sentia. Gorda e pequenina. Tanto, que desejei ter o meu avô a lançar-me no ar até ao banquinho que me fazia crescer.
Não me lembro das despedidas, nem do plano de dieta para deixar de ser a menina gorda que agora era. Lembro-me da mão da minha avó a entrelaçar a minha, para descermos as escadas íngremes que iam dar ao passeio, e de me puxar depois, em passo firme, para a porta ao lado. Uma pastelaria.
"Vá, filha. Agora escolhe o bolo que quiseres, e que nunca ninguém te diga que és feia, tu estás a ouvir ?"
Ainda hoje as bolas de berlim têm o sussurro da minha avó: "tu estás a ouvir?"
Foi aí que percebi que os meus avós foram um banquinho de madeira. Feitos para me elevar, quando acho que o tamanho me falta.