Um cão é para estar no coração
Sentava-se no cadeirão ao canto da sala, manta pelas pernas, que a casa era fria. Olhava de soslaio e abanava a cabeça:
"Um cão é para estar na rua, não é dentro de casa."
"Não digas isso avô, é pequenino."
Como se percebesse que o defendiam, empinava o nariz comprido, analisava as opções que tinha para chegar aos biscoitos, e escolhia o caminho mais longo que evitasse contacto com o meu avô.
Não se podiam ver. Nem queriam.
Uns anos mais tarde o meu avô adoeceu. O Sid deixou de escolher caminhos que não os cruzassem. Pedia para o deixarem subir à cama, enroscava-se aos seus pés, e só o deixou quando ele nos deixou também.
Na noite em que partiu, enquanto lhe fazia as últimas festas na cabeça, enrosquei-me aos pés dele e disse-lhe que estava tudo bem, porque o avô tinha ido primeiro e estava à espera dele.
Se calhar vai implicar quando ele lhe tentar destruir o enleio, que por esta altura já deve estar enorme. Ou perder a paciência quando ele ladrar a pedir-lhe bolachas. Dúvido que lhe aqueça o saco de água quente nas noites mais frias. Mas tenho a certeza que vai deixá-lo dormir dentro de casa, em cima da mesma cama, enroscado aos seus pés, como da última vez que fizeram os dois parte da mesma realidade.
Afinal, é isso que fazemos quando nos amam sem condição.