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Life With Júlia

por Susana C. Fernandes

Life With Júlia

por Susana C. Fernandes

Um cão é para estar no coração

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Sentava-se no cadeirão ao canto da sala, manta pelas pernas, que a casa era fria. Olhava de soslaio e abanava a cabeça:

"Um cão é para estar na rua, não é dentro de casa."

"Não digas isso avô, é pequenino."

Como se percebesse que o defendiam, empinava o nariz comprido, analisava as opções que tinha para chegar aos biscoitos, e escolhia o caminho mais longo que evitasse contacto com o meu avô.

Não se podiam ver. Nem queriam.

Uns anos mais tarde o meu avô adoeceu. O Sid deixou de escolher caminhos que não os cruzassem. Pedia para o deixarem subir à cama, enroscava-se aos seus pés, e só o deixou quando ele nos deixou também.

Na noite em que partiu, enquanto lhe fazia as últimas festas na cabeça, enrosquei-me aos pés dele e disse-lhe que estava tudo bem, porque o avô tinha ido primeiro e estava à espera dele.

Se calhar vai implicar quando ele lhe tentar destruir o enleio, que por esta altura já deve estar enorme. Ou perder a paciência quando ele ladrar a pedir-lhe bolachas. Dúvido que lhe aqueça o saco de água quente nas noites mais frias. Mas tenho a certeza que vai deixá-lo dormir dentro de casa, em cima da mesma cama, enroscado aos seus pés, como da última vez que fizeram os dois parte da mesma realidade. 

Afinal, é isso que fazemos quando nos amam sem condição.

Dores maiores

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Eram romarias que as minhas mãos pequenas, que seguravas, não entendiam.

Lembro-me do Sol a queimar por cima do meu chapéu de palha, e do cheiro a flores. A calçada gasta, fina, e a frescura das sombras. A jarra imponente sem primavera.

Procuravas uma torneira, um balde e um pano velho. Limpavas o mármore, como quem limpa as dores. Depois, pegavas na jarra e em mim. A água a transbordar, espelho dos teus olhos. Arranjavas as flores que tínhamos comprado, e fazíamos o caminho de volta. O caminho sem volta.

Centravas o arranjo. Limpavas o que já estava limpo, porque às vezes precisamos de tarefas inúteis para nos distrairmos da imensidão do que é real. 

"Vamos?"

Seguravas-me de novo pela mão. A gravilha a magoar-me entre os pés e as sandálias brancas. Não me queixava. Sabia, sei lá como, que a tua dor era maior.

 

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